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A imigração açoriana em Montreal. Os pioneiros.

18 décembre 2019

Os primeiros emigrantes açorianos chegaram a Montreal em 1953 e 1954. Os testemunhos destes pioneiros falam dos motivos da partida, das condições da viagem e das dificuldades da chegada.

José-Louis Jácome deixou a sua ilha natal nos Açores em 1958 com a mãe, o irmão e a irmã, para se instalar na metrópole do Quebeque. Com oito anos, encontrou o pai e começou uma nova vida. Muito mais tarde, realizou uma investigação sobre as suas origens e sobre o início da imigração açoriana para o Canadá. José-Louis Jácome recolheu testemunhos do pai, Manuel da Costa Jácome, e outros emigrantes açorianos, chegados a Montreal no início dos anos 1950. Graças a esta recolha, transmite uma história muito viva da imigração em Montreal.

A imigração, uma realidade açoriana

Pionniers - vers 1947

Fotografia a preto e branco de quatro homens, de pé, em frente a uma árvore. Apenas um tem sapatos.
Coleção pessoal de José-Louis Jácome.
A imigração dos portugueses para o Canadá começa em 1953, estimulada por acordos entre os dois países datados de 1952. Assim, o Canadá substituiu os Estados Unidos na procura de milhares de portugueses e, particularmente, dos açorianos, por um mundo melhor. Assim que se começa a anunciar a abertura do país, por vezes na igreja paroquial, esta perspetiva de futuro passaria a estar na cabeça de todos.

Quando falava das razões por detrás da sua partida, Manuel da Costa Jácome sublinhava a precariedade em que vivia, o trabalho incerto e os salários baixos. Dizia que, mesmo labutando na terra de sol a sol, descalço, com o corpo seco pelo calor e com pouco para comer, não conseguia melhorar a sua sorte. Segundo ele, a imigração era a única forma de melhorar a vida. Na sua ilha natal, São Miguel, emigrar para o Canadá era uma fonte de esperança para o bem dos homens e famílias que sonhavam em fugir das condições de vida difíceis.

O processo de imigração

Homeland - 23 avril 1954

un groupe d’émigrants açoriens au port de Ponta Delgada à São Miguel avant le départ du bateau à destination d'Halifax
Coleção pessoal de José-Louis Jácome.

Os pioneiros dos anos 1950 eram recrutados pelo governo canadiano para preencherem a falta de mão de obra no setor agrícola e nos caminhos de ferro. Um primeiro contingente de emigrantes portugueses partiu de Lisboa em maio de 1953 a bordo do Saturnia com destino a Halifax. Entre eles, 18 pioneiros açorianos, que não tinham qualquer contacto no Canadá. Para serem elegíveis, era nomeadamente preciso serem solteiros, preencherem os documentos e fazerem exames médicos em Ponta Delgada, capital de São Miguel.

Cerca de um mês antes da chegada a Halifax, os açorianos escolhidos embarcaram em direção a Lisboa. Passaram duas semanas na capital para concluírem os preparativos antes da partida para o Canadá, prevista para o dia 8 de maio de 1953. Foram submetidos a uma segunda série de exames médicos, desta vez organizada por entidades canadianas. Dois foram recusados. A maioria não tinha mais do que um bilhete de ida e tinha pedido aos pais e amigos o montante necessário para o comprar.

Alguns meses depois, a grande notícia de uma nova partida de emigrantes para o Canadá foi anunciada no jornal Correio dos Açores de 28 de outubro de 1953. Oitocentos açorianos poderiam emigrar no ano seguinte. Os critérios de seleção eram simples. Os candidatos tinham de ter entre 20 e 35 anos, ser letrados (o terceiro ano da primária era a norma), passar nos exigentes exames médicos, poder trabalhar em agricultura e não ter mais do que três filhos. Por fim, deviam pagar a viagem e todos os custos.

Indicações fornecidas pelas autoridades

Pionniers - renseignements

Primeira página de um documento de três páginas escrito em português intitulado Cuidados com a saúde, que dava informações sobre as estações e o clima.
Coleção pessoal de José-Louis Jácome.

Manuel da Costa Jácome conservou o documento de três páginas que as autoridades remetiam em 1954 aos emigrantes açorianos. Escrito em português, dá algumas informações e conselhos muito simples sobre a vida no Canadá. A propósito das condições climáticas, indica que, no inverno, a temperatura pode chegar aos 20 graus negativos. Aconselha a fazer exercício físico, a vestir roupa quente e a aquecer a casa para evitar apanhar demasiado frio. Diz também que a adaptação ao clima canadiano será fácil, mas um açoriano dos anos 1950 teria muita dificuldade em imaginar como seria sentir vinte graus negativos.

Em relação à alimentação, explica: “Não vos faltará nada. Há pão, carne, peixe, legumes, fruta e bolos. Mas a maioria destes alimentos é oferecida em conserva e utilizada conforme as necessidades, enquanto em Portugal, são comidos frescos. Aprenda a cozinhar com estes alimentos”. Por fim, aconselha-se a não comer em demasia, a comer lentamente, a mastigar bem os alimentos, a comer a horas fixas, a beber pouco durante as refeições, a não tomar café nem chá demasiado forte. E desaconselha-se o consumo de aguardente ou outras bebidas alcoólicas em jejum. Eram estas as indicações dadas às pessoas que se preparavam para emigrar para um país totalmente desconhecido.

A viagem de barco

Pionniers - bateau

Postal do Homeland, um dos navios que atravessou o Atlântico, de Portugal para o Canadá.
Coleção pessoal de José-Louis Jácome.

Manuel da Costa Jácome deixou os Açores a 23 de abril de 1954 para desembarcar em Halifax seis dias mais tarde. Tinha 33 anos. No porto de Molhe Salazar de Ponta Delgada, entre milhares de pessoas, amigos e familiares despediam-se cheios de emoção. Chorou imenso, e explicou mais tarde: “Estávamos contentes, cheios de esperança, mas na nossa cabeça, deixávamos a nossa família e o nosso cantinho para sempre. Partíamos sem saber se e quando voltaríamos”. Só voltou a São Miguel em julho de 1965 e em maio de 1971, pela morte dos pais.

A viagem a bordo do Homeland foi muito complicada. O oceano difícil maltratava o transatlântico. Vários passageiros ficaram mareados. Desde as primeiras horas da travessia, vários já se arrependiam da sua decisão. Para a grande maioria dos emigrantes, era a primeira viagem de barco. Gil Andrade, um dos 450 açorianos a bordo, descreveu assim a viagem: “A proa do navio subia, subia para o céu e depois enfiava-se vários minutos no oceano. Ouvíamos o rugido surdo dos motores. Estávamos no quarto nível inferior, aterrados de medo. Muitos choravam”.

Pionniers - billet Homeland

Bilhete para a viagem de barco de Manuel da Costa Jácome de Ponta Delgada para Halifax em 1954.
Coleção pessoal de José-Louis Jácome.

No curso das sete viagens de barco que conduziram os emigrantes portugueses ao Canadá entre 1953 e 1956, outros conheceram uma travessia menos tumultuosa e mais agradável. Manuel Arruda, açoriano chegado a Halifax em 1953, conta: “Estávamos todos muito entusiasmados, a vida a bordo daquele imenso barco era já algo de maravilhoso. As pessoas dançavam, havia música, bares. Tudo era lindo, coisas que nunca tínhamos visto. Além disso, sentíamos que vivíamos momentos especiais. As nossas cabeças estavam cheias de esperança. Era uma aventura para o desconhecido, mas a oportunidade real de encontrar uma vida melhor exaltava-nos. Estávamos contentes, mas a maioria tinha pequenas palpitações na barriga. Deixávamos os nossos para sempre. Havia pessoas de vários países e uma atmosfera difícil de descrever, com muita alegria e alguma ansiedade. Algumas percebiam que estavam prestes a dar um grande salto para o desconhecido, mas era demasiado tarde para recuar”.

A viagem de comboio

Quai 21 1965

Le quai 21 du port de Halifax, vu du pont d’un navire.
Museu canadiano da imigração do Cais 21. Coleção Ken Elliott, 1965.

Depois de desembarcar em Halifax, os emigrantes portugueses apanhavam o comboio e saíam nos destinos que lhes haviam sido atribuídos. Alguns juntavam-se a amigos e conhecidos que tinham vindo antes deles, em 1953 ou 1954. No cais 21, como a maioria dos emigrantes não falava inglês, eram identificados com etiquetas com o nome e o destino final. Em cada uma das paragens, os empregados do comboio dirigiam-nos para o exterior conforme as indicações destas cartas. Vários emigrantes disseram que, por vezes, se sentiam como gado. Vários choravam, desorientados, atordoados e esgotados pela viagem.

“Chegados ao cais 21 de Halifax, todos os passageiros passaram os controlos de utilização e depois, no dia 14 de maio de manhã, embarcámos num comboio para Montreal, um trajeto de 48 horas, 2 dias longos muito difíceis”, explica Manuel Arruda que chegou ao Canadá em 1953. O conforto do comboio era mínimo. Era um comboio muito velho que funcionava a carvão. Os bancos eram duros, tudo vibrava e o ruído dos carris era medonho. Era impossível descansar. “Estávamos totalmente esgotados ao chegar a Montreal. Muitos de nós nada tinham comido. Eu comi um pãozinho durante o trajeto de dois dias. Nem sabíamos como pedir comida”, acrescenta Manuel Arruda. “Além disso, estávamos todos cheios da fuligem do carvão que se escapava da locomotiva. Estávamos preparados e tínhamos camisas brancas para a viagem até Montreal. Mas chegámos com as camisas e os rostos negros, todos cobertos de fuligem”, explica.

Manuel da Costa Jácome falava tanto do longo trajeto de comboio entre Halifax e Montreal como da travessia de barco: “A viagem de dois dias era interminável, extenuante. […] Estávamos perturbados, tudo o que víamos era totalmente diferente. O país não tinha fim. O facto de não falarmos a língua causou muitas frustrações. Éramos como crianças que não compreendíamos o que nos diziam, onde estávamos e para onde íamos”. Gostava de falar das fatias de pão Weston que serviram no comboio, e ria-se. Os empregados puseram pão em todas as mesas. Em alguns minutos, foi tudo comido pelos viajantes famintos. Os empregados voltavam a colocar pão e desaparecia num instante. Manuel, como todos os açorianos, pensava que lhe serviam uma espécie de bolo. Diz ter comido o equivalente a um pão sozinho.

A viagem foi muito mais fácil para os que seguiram na segunda metade dos anos 1950 e nos anos 1960. Apanharam o avião e aterraram diretamente em Montreal, onde foram muitas vezes recebidos por açorianos já instalados. “Não estavam sozinhos na chegada como nós!”, dizia Manuel da Costa Jácome.

Primeiros contactos, primeiras experiências

Pionniers - travail

Groupe d’immigrants açoriens travaillant pour les chemins de fer au Québec à la fin des années 1950.
Coleção pessoal de José-Louis Jácome.

Não se podia voltar atrás. De qualquer forma, a maioria não tinha dinheiro suficiente para regressar ao país. O custo de um simples bilhete de ida representava a poupança de vários anos de trabalho para a maioria dos camponeses açorianos. Um dos pioneiros do Saturnia, Afonso Tavares, conta no seu livro que o custo do bilhete era o equivalente a mais de 350 dias de trabalho para um camponês. Para a maioria, a viagem era possível apenas se os pais e os amigos adiantassem uma parte do dinheiro. Era por isto que, geralmente, o homem emigrava sozinho e tinha de trabalhar alguns anos no Canadá até conseguir trazer a família através de um pedido de reagrupamento familiar.

Manuel Arruda, que viajou a bordo do Saturnia, lembra-se da saída do comboio em Montreal: “Estávamos realmente perdidos. Estava frio, muito frio. Chegados a Montreal, esperámos por guias que nunca apareceram. Não sabia falar francês nem inglês, nem me orientar, por isso, perguntei a alguém onde podíamos dormir, usando gestos. Respondeu-me apontando para uma pousada”. Os recém-chegados dirigiram-se para esta casa. No dia seguinte, com as malas pesadas nas mãos, dirigiram-se até ao gabinete de imigração que se encontrava muito longe dali. O taxista pediu uma quantia enorme, 50 soldos, e recusaram.

Pionniers - travail 2

Seis homens a trabalhar nos campos com as ferramentas de trabalho.
Coleção pessoal de José-Louis Jácome, 1954.

Quando chegaram ao gabinete de imigração, uma senhora espanhola explicou-lhes que conhecia um patrão que procurava mão de obra. O senhor Arruda trabalhou com ele durante seis meses. Recebia 55 a 60 dólares por mês, mas o patrão tirava-lhe 10 dólares, como a todas as pessoas cujo país de origem tinha pagado a viagem, sendo assim reembolsado. Não era o caso dos portugueses. Depois de explicar ao patrão, Manuel Arruda passou finalmente a receber o salário por inteiro.

Durante estes primeiros meses, um padre brasileiro, o padre Almeida, era o único apoio destes emigrantes açorianos. Ajudava-os a instalar-se, a integrar-se e mesmo a proteger-se de vários esquemas. Tinham dois grandes entraves: não falavam francês e não conheciam o funcionamento do país. Alguns patrões aproveitavam-se da sua ignorância para os explorar. “Trabalhámos como escravos, muitas vezes até 16 horas por dia, com pouca comida. Chorei muitas vezes”, diz o senhor Arruda.

Felizmente, outras pessoas conheceram situações melhores. Jacinto Medeiros fez parte da primeira vaga de imigração, na esperança de um mundo melhor. Disse ter encontrado o seguinte: “Assim que cheguei, ganhava 50 dólares por mês, ou 1,70 dólares por dia, ou seja, três vezes mais do que ganhava nos Açores”.

Référence bibliographique

JACOME, José-Louis. D’une île à l’autre. Fragments de mémoire, Montréal, autoédition, 2018, 255 p.