Os primeiros açorianos imigraram para Montreal nos anos 1950. Relembram o seu primeiro trabalho, as dificuldades familiares ou administrativas, mas também o nascimento de uma comunidade.
José-Louis Jácome deixou a sua ilha natal nos Açores em 1958 com a mãe, o irmão e a irmã, para se instalar na metrópole do Quebeque. Com oito anos, encontrou o seu pai e começou uma nova vida. Muito mais tarde, realizou uma investigação sobre as suas origens e sobre o início da imigração açoriana para o Canadá. José-Louis Jácome recolheu testemunhos do pai, Manuel da Costa Jácome, e outros emigrantes açorianos, chegados a Montreal no início dos anos 1950. Graças a esta recolha, transmite uma história muito viva da imigração em Montreal.
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Trabalhar a todo o custo
Premières années - Açoriens
Geralmente, para respeitar o seu compromisso para com o governo do Canadá, os imigrantes açorianos devem trabalhar numa quinta ou nos caminhos de ferro durante um período mínimo de um ano. Muitos deles não terminavam o ano e deixavam assim que possível o emprego que lhes tinha sido reservado pelo Ministério do Trabalho. Voltaram-se para as grandes cidades canadianas para encontrarem, no setor industrial ou no comércio, empregos menos rudes, mais remunerados e não sazonais (os trabalhadores agrícolas não recebiam subsídio de desemprego).
Afonso Tavares conta como alguns patrões escolhiam os seus empregados no gabinete da imigração. Os recrutadores examinavam os braços e as mãos dos imigrantes para avaliar a sua força e ver se tinham feito trabalhos duros. “Os patrões apalpavam-nos os braços e escolhiam os homens mais fortes primeiro. Felizmente, pude evitar esta humilhação repetidamente. Era o mais pequeno do grupo. Quando chegava a minha vez, já não precisavam de me apalpar os braços, pois eu era o último”, conta Afonso Tavares.
Tavares relembra também uma história dos seus primeiros meses no Quebeque. Pagos a 50 soldos por hora, ele e outros conterrâneos trabalhavam numa quinta perto de Montreal, até 16 horas por dia. Um brasileiro havia-lhes proposto um trabalho mais bem remunerado e decidiram sair da quinta. No entanto, o proprietário convenceu-os a ficar: pagar-lhes-ia mais e arranjar-lhes-ia um trabalho para o inverno numa fábrica de tijolos em Montreal. No final das safras, levou-os para Montreal e colocou-os em frente a um grande edifício. Os açorianos pensavam que se trata da fábrica de tijolos e esperaram ao frio todo o dia. No entanto, o guarda pediu-lhes para voltar no dia seguinte: o patrão tinha-os levado ao gabinete de emprego!
Dos campos para a fábrica
Premières années - premier Noël
Vários patrões abusaram desta mão de obra ingénua e dócil. Nas quintas, por exemplo, alguns alimentavam pouco ou mal os trabalhadores açorianos. Gil Andrade, que imigrou para o Quebeque em 1954, conta que, depois de alguns dias, encontrou um emprego numa madeireira nos arrabaldes. Ali trabalhou um mês e vivia sozinho numa cabana perto da casa do patrão. Dava-lhe pouco para comer, mas tinha-lhe dado uma arma e disse-lhe: “Se tiveres fome, podes sempre caçar uma ave grande”. Gil Andrade, que nunca tinha caçado nem cozinhado, abateu e comeu grandes pássaros pretos, os quais desconhecia.
Habitualmente, os trabalhadores agrícolas recebiam um salário mensal, quarto e alimentação muitas vezes incluídas, a história de Jacinto Medeiros, que chegou ao Quebeque em 1954, mostra também o quanto alguns penaram: “O meu primeiro patrão, da região do Quebeque, tratava-nos como escravos. Em vez de trabalhar 8 horas por dia, trabalhávamos entre 12 e 16, e dava-nos pouco para comer. […] Passei muita fome. A vizinha do patrão sabia bem que éramos mal alimentados. […] Era uma boa mulher. À noite, às escondidas, ia muitas vezes a casa dela. Dava-me um copo de leite com um pouco de cacau e biscoitos com marshmallow e chocolate. Era uma alegria. Andava também com um pequeno pote de vidro nos bolsos e enquanto tratava das vacas, enchia-o com leite diretamente da vaca, acrescentava-lhe cacau e bebia-o. Foi assim que me aguentei os primeiros meses”. Medeiros acrescenta: “Se tivesse de repetir tudo, faria as mesmas escolhas. Ultrapassámos vários desafios, mas valeu bem a pena. O Canadá é o meu país”.
Felizmente, alguns proprietários eram muito corretos. Manuel Jácome teve boas relações com o primeiro patrão e guarda dele boas recordações. Apesar disso, depois de alguns meses na quinta em Saint-Michel, procurou um emprego mais bem remunerado no setor industrial. Um supervisor da fábrica da Royal Typewriter, situada perto do bairro onde Jácome vivia, ia muitas vezes à quinta. O imigrante fez de tudo para se fazer notar e disse-lhe: “É para que te lembres de mim quando houver uma vaga na fábrica”. Um dia, o homem ofereceu-lhe efetivamente um emprego. Jácome trabalhou nesta fábrica durante vários anos como porteiro e alguns meses na manutenção. Depois, passou para a oficina de montagem. O seu grande amigo, Manuel Pascoal, que o tinha substituído na quinta em Saint-Michel, sucedeu-o também no serviço de manutenção nessa fábrica antes de ir trabalhar para a companhia ferroviária canadiana nacional. A entreajuda era a base das redes de imigrantes.
Separação e reunião da família
Premières années - photo Àçores
Nos anos 1950, a imigração costumava envolver a separação das famílias. José-Louis Jácome viveu pessoalmente esta situação e testemunhou-a. “O meu pai deixou-nos em abril de 1954 e reencontrámo-lo em março de 1958. Algumas famílias ficaram ainda mais tempo separadas. Foi um período longo e difícil para toda a família no plano financeiro e social. O meu pai trabalhava arduamente em Montreal. Durante quatro anos, apenas viu algumas fotografias nossas e da minha mãe. Do seu lado, nos Açores, a minha mãe tinha de gerir a casa e cuidar de três crianças. Houve períodos em que faltou dinheiro. A minha mãe teve de pedir emprestado enquanto esperava uma carta do meu pai com dólares do Canadá. No início dos anos 1950, o envio de uma carta para os Açores ou para o Canadá podia demorar um mês. Depois, o correio em avião tornou-se mais frequente e regular”. José-Louis Jácome lembra-se que as fotografias se estavam a tornar cada vez mais populares e os pais aproveitavam este progresso para comunicar durante a separação. Enviavam algumas imagens da vida quotidiana, das festas e de eventos importantes.
Durante os primeiros anos, o pai de José-Louis Jácome poupou uma grande parte do seu salário para reembolsar o bilhete e comprar os quatro bilhetes de avião necessários para juntar a família. Também teve de poupar para comprar os móveis essenciais. Mas, para ele, estava fora de questão endividar-se, como muitos açorianos. Foi em novembro de 1975 que Jácome preencheu uma carta de chamada, o documento oficial que iniciava o processo de reunião familiar. Em janeiro de 1958, a esposa renovaria o passaporte e toda a família receberia vacinas e faria exames médicos obrigatórios, abrindo a porta à imigração.
Reunião familiar e processo administrativo
Premières années - Ficha do emigrante
José-Louis Jácome, a mãe, a irmã e o irmão, viajaram até Montreal de avião. Um pouco assoberbados e cansados, entraram no aeroporto de Montreal onde os agentes da alfândega e imigração lhes falavam uma língua desconhecida. A mãe de José-Louis Jácome falou-lhe algumas vezes desses instantes desconcertantes. A determinado momento, foi chamada e tirou os documentos. Um dos agentes perguntou-lhe o nome. José-Louis Jácome não sabe em que língua nem como a sua mãe se conseguiu desenrascar, mas respondeu: “Ilda Raposo da Silva”, o seu nome de batismo. O agente respondeu: “É casada com o senhor Manuel Jácome?” Como ela respondeu que sim, o agente disse-lhe: “Então, chama-se Madame Ilda Jácome”. Ela repetiu que esse não era o seu nome, mas não conseguiu convencer o agente. Assim, aos 31 anos, tornou-se Ilda Jácome.
Além disso, os nomes dos três filhos foram logo ali “afrancesados”. Teresinha Raposo da Silva Jácome tornou-se Thérèse Jácome, Manuel Carlos Raposo da Silva Jácome tornou-se Manuel Jácome e José Luís Raposo da Silva Jácome tornou-se José-Louis Jácome, os nomes que ficaram inscritos nos futuros papéis oficiais. Esta mudança brusca foi muito desconcertante, sobretudo para a senhora Jácome. Na época, muitas mulheres tiveram a mesma experiência e os nomes dos homens também eram “traduzidos”.
Isaura Frades, a esposa de Alfredo Borges, imigrante açoriana chegada ao Canadá em 1954, falou sobre outro exemplo do processo administrativo a José-Louis Jácome. Em 1961, com saudades de casa e querendo rever a mulher, o senhor Borges voltou aos Açores. Apercebeu-se rapidamente de que já não podia mais viver na sua vilazinha e decidiu estabelecer-se definitivamente em Montreal, mas desta vez, com a esposa. Mas teve de enfrentar um problema de burocracia muito particular. A esposa chamava-se Isaura Frades porque, nos Açores, as mulheres casadas mantinham o seu nome de solteiras. Para a imigração canadiana, ela deveria assumir o apelido da família e passar a chamar-se Isaura Borges. No entanto, a imigração canadiana já tinha dado a autorização de entrada a uma Isaura Borges que vinha da mesma localidade, e que era a irmã de Alfredo. Por causa desta confusão, Alfredo teve de partir sozinho para Montreal, teve de fazer um pedido de reunião da família e Isaura juntou-se a ele em 1962.
As longas ausências dos primeiros emigrantes açorianos foram difíceis para as famílias, nomeadamente para a ligação entre pai e filhos. Madalena da Costa explica que tinha 6 anos aquando da partida do pai, Manuel da Costa, em 1957. Em 1963, tinha 12 anos quando a mãe apontou para um homem que desembarcava no porto da ilha onde viviam e lhe disse: “É o teu pai”. “Estás enganada, não é o meu pai”, respondeu Madalena. A rapariga não conseguia reconhecer a pessoa que só tinha visto em pequenas fotografias, nas quais estava muito vestido pois trabalhava em Sept-îles! Depois de um ano, Manuel da Costa voltou para o Canadá e acionou rapidamente o processo de reunião familiar.
Constituição de uma rede e de uma comunidade
Premières années - Photo de groupe
Sem falar francês nem inglês e sem ninguém para os orientar, os pioneiros da emigração portuguesa tiveram muitos problemas de comunicação nos primeiros tempos que passaram em Montreal. Desempenharam um papel muito importante na integração dos que os seguiram, no final dos anos 1950 e nos anos 1960. José-Louis Jácome conta que vários amigos do pai estavam também a bordo do Homeland em abril de 1954. Já estavam ligados à sua família na ilha de origem e a aventura canadiana ainda os aproximou mais. Entreajudaram-se no seu novo mundo, acompanharam-se toda a vida e formaram um grande círculo de amigos da família.
Manuel Jácome ajudou vários imigrantes açorianos que lhe eram muitas vezes recomendados ao chegarem a Montreal. Alguns arrendavam um dos seus apartamentos. Apoiou outros nos esforços de alojamento, acesso a trabalho ou preenchimento de vários documentos oficiais, como os da reunião familiar. A família Pereira é um bom exemplo desta dinâmica. Em 1966, uma altura em que alguns proprietários indicavam claramente que não queriam arrendar a imigrantes, Manuel Jácome ajudou os Pereira a encontrar um apartamento. No entanto, o proprietário não queria arrendar porque tinham um filho. Então, Jácome disse-lhe: “Fico a cuidar da criança em minha casa”. Surpreendido, o proprietário disse-lhe: “Não pode fazer isso!”. E assim, arrendou o apartamento aos Pereira.
JACOME, José-Louis. D’une île à l’autre. Fragments de mémoire, Montréal, autoédition, 2018, 255 p.